Projeto EduScratch
CCTIC – ESE/IPS

Quando em 2007 iniciei o trabalho com alunos (na sala de aula e no Clube Scratch time) usando esta ferramenta (em combinação com outras), estava longe de ter compreendido todo o seu potencial. De surpresa em surpresa, os acontecimentos imprevistos foram-se/vão-se sucedendo. As histórias em que o Scratch foi catalizador de reacções e conexões importantes, sempre ligado à acção do Professor, são tantas que não é fácil seleccionar os momentos mais significativos. Seguem-se, pois, apenas algumas delas.

Ainda mal havíamos começado a trabalhar com o Scratch e eu balbuciado umas coisas sobre um certo \(x\) e \(y\) que permitiam conhecer a posição dos objectos programáveis no ecrã e colocá-los onde desejássemos, o Fábio – 5.º ano, 9 anos – apareceu com um projecto feito em casa (o primeiro da turma) em que combinou a Geometria - Sólidos (unidade em que estávamos a trabalhar), a utilização do referencial cartesiano e... o som da sua voz! Eu nem havia ainda percebido que se podia gravar directamente a voz no Scratch e incluir esses elementos (ou outros) nos projectos. na aula de Matemática, a turma entusiasmada... o Fábio explicando aos colegas tudo o que tinha feito, eu calada a beber com eles e a adivinhar o que estaria para vir com um começo daqueles... 

E que tal fazermos um projecto com aquele problema do Caracol que sobe de dia e desce de noite? Se fizerem em Scratch o “filme” da história, conseguem chegar à solução... Não podia prever o que se seguiu. E só ficarão aqui registados dois momentos. A Sara (5.º ano, 10 anos) produziu um bloco longo de programação que dava erro. Já desesperava quando a fui ajudar. Sara, parte o bloco em porções mais pequenas... é o que devemos fazer com os problemas, e vai analisando cada segmento tentando descobrir em que local está o erro. Rapidamente encontrou um erro nos valores usados e corrigiu-o. Uns meses mais tarde, durante a realização de uma prova global (a Sara era uma aluna com algumas dificuldades), exclamou em voz alta: Oh professora! Estava aqui aflita mas vou usar uma coisa que aprendi no Scratch! Mais tarde quis saber do que se tratava. A professora disse para dividir o problema do Scratch porque havia aqui um erro... aquilo do caracol... e eu dividi o problema... lembrei-me de dividir também o problema da área da sala do capítulo que estava no teste... E eu separei, dividi o rectângulo, depois dividi o quadradinho, dividi não, calculei a área de cada um e depois juntei as duas áreas e deu logo a área certa!

(...) tantas histórias mais como estas... e sempre o imprevisto, o improviso, a surpresa, o professor como orquestrador, ele próprio outra (possível) enzima ajudando a facilitar as reacções induzidas pelo trabalho com o Scratch. Catalizadores que funcionam apenas se conectados: as tecnologias e o elemento humano. É isto que o Scratch permite, especialmente se combinado com outras ferramentas e com a mediação oportuna e adequada do Professor. Acresce que, para desenvolver projectos em Scratch por si imaginados ou resultando de desafios, os alunos precisam de outros recursos e de aprofundar com rigor conteúdos “clássicos” (Matemática, Língua Portuguesa, outras línguas, qualquer tema... qualquer assunto). Aprender assim faz mais sentido: o conteúdo surge por necessidade. Depois é possível trabalhar esse conteúdo separadamente, de forma mais clássica com exercícios de consolidação de procedimentos e conectando-o com outros e com o trabalho do aluno, sempre... O referencial cartesiano é disso um bom exemplo. Nunca começo por “ensiná-lo” formalmente para trabalharem no Scratch. Eles aprendem, ao programar, que o x e o y determinam a posição de cada objecto. Muito antes de saberem o que isso significa ou como funciona, usam-no com mestria e transportam os objectos para onde desejam. Só mais tarde trabalho na aula o conceito e nem me tinha apercebido da importância do que fazemos (o referencial cartesiano é um conteúdo de 7.º ano que antecipo no 5.º) até há alguns dias atrás, quando uma aluna de uma turma com muitas dificuldades (que apenas conheci já no 6.º ano, mas que frequentava em peso o Clube Scratch time uma vez por semana) me contou isto: Ontem a nossa professora de Matemática – 7.º ano – deu o referencial cartesiano e ficou muito espantada porque a nossa turma é fraca mas nós do Clube Scratch time sabíamos tudo o que ela estava a ensinar!

 

Uma primeira versão deste texto, foi originalmente publicada na revista Educação & Matemática nº110 (Nov/Dez - 2010).

Teresa Martinho Marques é professora de Matemática e Ciências da Natureza, no 2º ciclo do Ensino Básico e integrava, à data da publicação do texto, a equipa CCTIC-ESES/IPS, onde desempenhou um trabalho notável na divulgação e implementação de trabalhos nas escolas, com a liguagem de programação Scratch.