Há algum tempo o cartoonista Zach Weinersmith (habituado a usar Matemática e conceitos matemáticos no seu trabalho), publicou um cartoon sobre a representação do \(\pi\), sobre a forma de fração.


(Reproduzido com autorização expressa do autor)

O cartoon, como é apanágio dos bons cartoons, pode ser intrepretado sob diferentes dimensões, valorizando mais ou menos um ou outro aspeto, mas interessa dedicar alguma atenção à dicotomia entre o que poderíamos traduzir por “aluno de 5 a matemática” e “futuro matemático”.

Uma hipótese será negar a diferença entre os dois tipos de alunos, mas serão uma minoria os que não reconhecem algum grau de familiaridade com estes esteriótipos. Continuando um raciocínio estereotipado, e portanto assumidamente exagerado, podemos colocar a questão: Que bons alunos pretendemos formar?
A simpatia envergonhada que nutrimos pelo bom aluno, quase zangado, do lado direito contrasta com a valorização tradicional do bom aluno, simpático, do lado esquerdo.

A tentação de identificar competências e metas com as personagens do cartoon é irresistível. O exercício de enquadrar cada uma das representações com a capacidade de argumentação e a memorização também nos pode ocorrer. Escolher cada um dos “tipos de bons alunos” para ilustrar uma metodologia centrada na resolução de problemas e em atividades de investigação e outra virada para o treino de algoritmos e automatismos sustentados em fórmulas também é uma hipótese. Podemos ainda especular sobre o desempenho do “bom aluno zangado” em exames e testes supostamente rigorosos e fiáveis. E poderíamos continuar...

Naturalmente um balanço adequado entre as duas perspetivas tem tanto de desejável como de difícil. Estamos habituados a valorizamos o “bom aluno simpático” - esta parte do balanço não deixará as práticas dos professores tão cedo. Valorizar o “bom aluno zangado” não é algo natural na tradição escolar, tem sido recomendado pela investigação e exige um esforço continuado nesse sentido.

Da mesma forma que é consensual que um “bom aluno” necessita do conhecimento de procedimentos e factos para estruturar o seu raciocínio, argumentação e a capacidade de resolver problemas, todos reconhecem que a capacidade de fazer boas perguntas é tão importante como dar boas respostas. É essencial criar condições para que os alunos tenham tempo ou espaço para formular perguntas, ou oportunidades para valorizar as respostas menos convencionais, mas com um potencial extraordinário que pode fazer a diferença entre a aprendizagem significativa ou um treino efémero e aborrecido. A Escola e o Ensino da Matemática devem procurar acompanhar a tendência internacional do promoção da criatividade e afastar a lógica de “linha de montagem” com padrões e normas (e metas) standartizados, com um controlo de qualidade cada vez mais “apertado” mas com menos qualidade.
Estamos a tentar formar bons alunos, mas a negligenciar a formação de alunos ainda melhores!

Talvez seja exagero afirmar que os professores (e a sociedade) valorizam os bons alunos “simpáticos”, com a expetativa, quase secreta (e quase perversa) da emergência de uns bons alunos “zangados”... talvez não seja exagero!

primeira versão deste texto foi originalmente publicada na rubrica Valor Absoluto do Clube de Matemática da SPM, em 11 de outubro de 2015.