O sistema educativo parece estar a reprovar em matéria de exames!
Surgem notícias de que em nome dos resultados dos exames, até as férias escolares dos alunos de 10 anos estão a ser sacrificadas; de que as escolas centram o seu trabalho na preparação dos exames, e multiplicam-se as tarefas de avaliação semelhantes a exames... tudo isto apresentado como um conjunto de boas práticas. Isto enquanto a esmagadora maioria dos países da Europa remete os exames para faixas etárias de alunos mais velhos, privilegiando uma avaliação de tipo qualitativo como forma de enfatizar o papel formativo da avaliação. De resto, representantes da OCDE já alertaram para o potencial de exclusão social da prescrição de exames para alunos muito novos.

Um olhar mais restrito sobre a matemática, permite constatar outros efeitos indesejáveis, nas aprendizagens dos alunos, da centralização do processo educativo em torno dos exames. Atividades centradas na resolução de problemas, que mobilizam a tecnologia, que permitem o desenvolvimento de competências de nível cognitivo elevado, que desenvolvem competências ao nível do trabalho de investigação ou na modalidade de projecto estão a ser fortemente reduzidas ou até suprimidas... porque são difíceis de avaliar – nos exames! Disciplinas e competências sem exames parecem estar a ser desvalorizadas só porque não têm exames.

Os exames até têm alguns méritos... por exemplo a generalização da utilização da calculadora gráfica, ou de tarefas que valorizam a comunicação matemática, no ensino secundário, foi grandemente potenciada pela inclusão deste itens relacionados com estas competências em exames. É reconhecido um efeito regulador e de homogenização do currículo decorrente da aplicação de exames. E podem contribuir para uma observação das aprendizagens dos alunos, como um todo. 

Mas os exames também têm a capacidade de suprimir ou desvalorizar aspetos importantes do currículo. Por exemplo no ensino secundário, o trabalho de modelação com recolha de dados utilizando sensores, ou a utilização pelos alunos de ambientes de geometria dinâmica e de folhas de cálculo tem sido inibida pela ausência de itens que mobilizem estas competências nos exames.
Da mesma forma que um medicamento eficaz não deve ser tomado em dose dupla, para ser ainda melhor... os efeitos secundários perversos dos exames sobrepõem-se aos seus méritos, em situações de sobredosagem!

Quando era mais novo, lembro-me de me rir com uma anedota em que se dizia que algumas pessoas vendiam as televisões para comprar vídeos.
Lembrei-me da anedota porque, agora, param-se as aulas para fazer exames. Suprimem-se aulas para que os professores possam vigiar exames. Reduz-se o tempo útil das aulas para preparar os exames. Cancelam-se aulas para que os professores possam classificar exames. Altera-se o currículo em função dos exames. Criam-se mais exames, e contratam-se empresas para gerir a aplicação de exames. Cobra-se pela validação do aproveitamento dos alunos em exames. Até se fazem exames para professores, para professores classificarem e resolverem.
Poderíamos dizer, agora, que a escola, de uma forma muito moderna, está a vender os ecrãs LED para comprar leitores de Blue-Ray.

As aprendizagens deixaram de ser o objetivo da escola – avaliar (algumas) aprendizagens parece ser o mais importante.

primeira versão deste texto foi originalmente publicada na rubrica Valor Absoluto do Clube de Matemática da SPM, em 11 de junho de 2014.