No mês de fevereiro de 2014 foi anunciada (mais) uma demonstração de um resultado matemático, que se conhecia desde 1930, mas do qual não havia uma demonstração matemática (veja na Gazeta de Matemática uma apresentação detalhada do problema). O resultado conhecido como “O problema da discrepância de Erdös” foi demonstrado. O problema deste problema é que foi “demonstrado” (ou coisa parecida) com recurso a um computador, e os matemáticos (humanos) não conseguem verificar toda a informação gerada pela “demonstração” - aproximadamente uns 13 GB de dados (leia uma notícia sobre a demonstração).

A questão das demonstrações que não podem ser verificadas (ou validadas?) por humanos não é nova... o problema do mapa das quatro cores, terá sido uma das primeiras demonstrações a causar este tipo de polémica. Mas a questão coloca-se cada vez com maior frequência, o que significa que cada vez mais matemáticos fazem demonstrações (ou coisa parecida), com sucesso, mas sem consenso, de resultados matemáticos com recurso à tecnologia.

Mas para que serve então uma demonstração? Costumava servir para nos certificarmos que uma propriedade é verdadeira... agora surge uma discussão nova, onde não se contesta a veracidade, mas a forma como foi obtida (como uma espécie de erro processual que leva à absolvição de um arguido culpado). A demonstração já não é o que era, ou pelo menos, já não serve para o que servia...

E na escola, entre alunos – e não entre matemáticos – para que servem as demonstrações?

Uma resposta possível será “para aprender a fazer demonstrações”... como se aprender a falar tivesse como único objetivo, falar em vez de algo mais abrangente - como comunicar.

Outra resposta possível será “para mostrar a coerência da construção matemática”... mas entre os alunos mais novos, algumas demonstrações tem o resultado exatamente oposto, ou seja transmitem a ideia de que a matemática é um conjunto de símbolos encaixados sem coerência evidente.

Ainda outra possibilidade será “desenvolver a capacidade de abstração”... o problema é que uma condição necessária para entender algumas demonstrações é a existência de uma grande capacidade de abstração, que, com alguma frequência, ainda não existe.

Não se pretende aqui desvalorizar o papel dos raciocínios demonstrativos. Existem demonstrações adequadas a todas as idades, com níveis de abstração, graus de rigor matemático e formalismo razoáveis para cada situação específica. Essas são as boas demonstrações.

Por exemplo, demonstrações em geometria por composição e decomposição de figuras são atividades que permitem verificar propriedades e que costumam ajudar alunos mais novos a compreender a matemática relevante e a generalizar observações num caso específico para a situação geral. Mesmo formulações algébricas abstratas como os casos notáveis (da multiplicação de binómios), podem ser demonstrados com recurso a uma interpretação geométrica, o que permite analisar a formulação algébrica, num plano mais concreto, sem se perder a generalidade.

Uma boa demonstração revela a beleza, ou pelo menos a coerência, da matemática. Uma boa demonstração explica, justifica, ajuda... as más demonstrações (mesmo que sejam bem feitas), não.

Algumas demonstrações cada vez mais «recomendadas», que consistem essencialmente em manipulações algébricas, apresentadas ou propostas a alunos muito novos, contribuem com grande probabilidade para confundir; para tornar obscuro e distante o objeto de estudo, em vez de esclarecer, clarificar ou revelar a sua beleza e coerência... e culminam frequentemente na pergunta “para que é que isto serve?

primeira versão deste texto foi originalmente publicada na rubrica Valor Absoluto do Clube de Matemática da SPM, em 11 de março de 2014.