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Existe uma história sobre a tentativa de estabelecer o valor de pi (na forma de dízima finita), por via... legislativa! Terá acontecido em 1897 no estado americano de Indiana. A história é contada com algumas variantes (nomeadamente no valor “exato” escolhido) mas independentemente dos detalhes, conseguimos esboçar um sorriso com a ideia de que o valor de pi seja 3,1, ou 3,2 ou qualquer outra dízima finita, porque... existe uma lei que assim o estabelece (para aprofundar esta história pesquise na Internet por “The Indiana Pi Bill”).

Em 2014, em Portugal, procedimentos matemáticos cientificamente corretos, utilizados em provas nacionais, podem vir a ser classificados com cotação nula porque... existe uma lei que assim o estabelece. Passou a existir matemática boa e matemática proibida. Existem textos com discussões mais detalhadas das alterações aos critérios de classificação de exames, onde o leitor poderá perceber melhor os detalhes... e sucedem-se as alterações. No exame do 3º ciclo, em mais de metade do exame foi proibida a utilização da calculadora.

A matemática costuma ser o arquétipo da objetividade. Considerar uma afirmação matemática, ou a resolução de um exercício, correta costuma ser coisa fácil... ou não...?

Existe um “limbo”, uma zona de fronteira, onde “aterram” muitas resoluções de alunos. Em algumas respostas, para uns (professores) é clara a insuficiência de argumentos, justificações ou cálculos, e para outros (professores) é óbvio que os elementos, alegadamente em falta, são implícitos e a sua omissão revela até grande acuidade matemática. A partilha de processos de classificação dos exames de matemática costuma(va) dar aos classificadores esta noção da subjetividade dos procedimentos de classificação e da consideração do que significa “estar correto”. Esta subjetividade não deve ser ignorada, mas deve ser mitigada – os procedimentos de classificação devem ser tão claros quanto possível, e as incertezas devem diminuir continuamente.

Mas a subjetividade na consideração do que está matematicamente aceitável na produção escrita de um aluno, durante um exame, ganha agora uma nova dimensão pela criação de “resoluções corretas proibidas” (em nenhum documento oficial está escrito que um determinado processo é incorreto ou errado... diz-se que não será aceite). E nem sequer fica bem definida a fronteira do que pode, ou não, ser enquadrado no programa de matemática. É fácil recuperar discussões, relativamente a vários itens de exames recentes, e às respetivas resoluções, que levantaram dúvidas a vários professores e especialistas se seriam, ou não, enquadrados ou “enquadráveis” no programa.

A construção de itens de exame, deve ser cuidada para não beneficiar a utilização de procedimentos matemáticos mais sofisticados, pelo que não deve ser necessário uma preocupação especial com ferramentas matemáticas desconhecidas pela maioria dos alunos. De resto, o mesmo princípio pode ser estabelecido relativamente à utilização da calculadora.

Quando uma resposta correta não vale nada, deve ser porque a pergunta está errada...

Claro que não existe matemática má... também não deveria existir matemática proibida.

primeira versão deste texto foi originalmente publicada na rubrica Valor Absoluto do Clube de Matemática da SPM, em 11 de janeiro de 2014.
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