Recentemente o meu amigo Gonçalo Espadeiro informou-me que as promoções dos super mercados são enganadoras. Não fiquei muito surpreendido... até que ele me tentou convencer que os chamados “descontos em cartão” (que consistem em creditar uma percentagem do valor gasto num cartão) não correspondem à percentagem publicitada.

Aí tive que lhe pedir para explicar melhor… e a explicação ficou clara com um exemplo. Vamos imaginar que um determinado produto tem um preço de 1 euro, e que é objeto de uma campanha que anuncia o desconto de 50% em cartão. Vamos até à loja e compramos duas unidades do produto, pelo qual pagamos 2 euros e recebemos - em crédito no cartão - 1 euro (até aqui parece mesmo 50%). Passado algum tempo voltamos à loja, e compramos mais uma unidade do mesmo produto, recorrendo ao crédito (de 1 euro) que temos no cartão, ou seja sem que seja necessário uma entrega adicional de dinheiro à loja… e corre tudo bem. No final fazemos uma avaliação global da situação: trouxemos para casa 3 unidades do produto, tendo pago o preço de duas… ou seja, conseguimos um desconto de... aproximadamente 33%
O desconto corresponde aos 50 % do montante creditado em cartão, ou aos 33% resultantes da análise global? 

São conhecidas outras situações em que 50% pode significar quase nada… ou quase tudo… vejamos outro exemplo: Um casal costuma discutir todas as decisões importantes, e em aproximadamente metade das ocasiões, estão de acordo. Nas 50% de situações em que discordam seguem a orientação da senhora, nas restantes 50% das situações seguem a opinião do cavalheiro. 
A senhora vê a sua vontade respeitada em 50% das situações? 75% dos casos? Ou uns exagerados 100%?
Considere a variação de género que lhe for mais conveniente (ou familiar) e tente decidir (e justificar) se a vontade de cada um dos elementos do casal é respeitada em 50% das vezes, ou não…

Neste contexto é quase impossível não lembrar a citação, cuja autoria não é conhecida: 

A Matemática é composta por 50% de fórmulas, 50% de demonstrações e 50% de imaginação.

A matemática escolar deixa cada vez menos espaço (e tempo) para a imaginação… para os significados, para a comunicação, para a argumentação e para outras competências que são essenciais. O formalismo e os algoritmos devem ter o seu espaço (e tempo)... mas não devem assumir o papel essencial que está reservado para o raciocínio e para a compreensão. Numa altura em que se insiste em valorizar a matemática dos cálculos e dos números, relegando para um plano menos relevante a matemática da compreensão e da argumentação, podemos estar  a perder uma parte significativa da matemática relevante, talvez mais de 50 %

primeira versão deste texto foi originalmente publicada na rubrica Valor Absoluto do Clube de Matemática da SPM, em 11 de maio de 2015.