Quando o meu filho frequentava o primeiro ano do primeiro ciclo, um dia, quando voltávamos para casa, notei algum entusiasmo com os trabalhos de casa... quando lhe perguntei porquê, explicou-me que eram “só contas” e que as faria rapidamente com uma calculadora que estava instalada no tablet. Naturalmente expliquei-lhe (numa linguagem menos formal) que o objetivo das “contas” não era o resultado, mas o processo; e que o professor não ficaria muito contente se soubesse que ele tinha feito batota. Disse-lhe ainda que depois de fazer as “contas” podia usar o tablet para verificar se estavam certas. Com alguma surpresa minha, estes argumentos foram aceites sem nenhuma contra-argumentação e com muita naturalidade, sem necessidade de reforçar o procedimento que deveria ser adotado.
Já em casa, depois das contas feitas, o tablet foi ligado para a verificação... a primeira conta era “5+5”... ele hesitou ao digitar os valores no tablet e passou diretamente para a segunda conta. Quando lhe perguntei porquê, respondeu-me com uma entoação paternalista: “Pai, toda a gente sabe que cinco mais cinco são dez”. A presença da tecnologia, e a naturalidade da sua utilização, fez um apelo espontâneo ao seu espírito crítico...
O protocolo de fazer as contas primeiro e usar a tecnologia disponível para as verificações ficou bem estabelecido... e alguns dias depois identifiquei outro padrão interessante. Após a realização dos trabalhos de casa, era natural pedir ao pai, ou à mãe, que fizessem uma verificação. Mas este hábito sofreu uma alteração... as tarefas relacionadas com a escrita ou estudo do meio, continuaram a ser objeto deste pedido de verificação, mas os cálculos não... a tecnologia permite-lhe ter a confiança necessária (e desejável) no seu desempenho, de forma autónoma e sem a intervenção de um adulto.
É curioso que as certezas dos malefícios da utilização da tecnologia sejam apregoadas por quem não promove a sua utilização. Se os que mais usam calculadoras, estão convencidos dos méritos da sua utilização, não devemos confiar neles? E se a utilização da tecnologia promover mesmo a autonomia e o espírito crítico?
A primeira versão deste texto foi originalmente publicada na rubrica Valor Absoluto do Clube de Matemática da SPM, em 11 de fevereiro de 2014.